sábado, 19 de março de 2011

As religiões não sabem nada sobre sexualidade humana


Sou um leitor assíduo do blog Bule Voador. Um espaço que defende o Humanismo Secular, o livre pensamento, a ciência, o ateísmo, e que conta com uma equipe de colaboradores bem capacitada. Recomendo-o. 
Se você ainda pensa que a visão religiosa tradicional da sexualidade humana tem algum fundamento lógico , peço que leia, com senso crítico e honestidade intelectual, o texto abaixo, publicado no Bule Voador.

A sexualidade humana: tabus, mitos e fatos

Autor: Camilo Gomes Jr.
Também publicado em: A Voz da Espécie

Provavelmente, depois da morte, o assunto que mais assombra a mente humana é o sexo. De uma perspectiva evolutiva (que apenas explica a propensão natural para determinados comportamentos, sem jamais pretender justificá-los de um ponto de vista axiológico, é bom que se deixe bem claro), nem é algo tão difícil de entender, visto que somos animais de reprodução sexuada, competindo por recursos que maximizem nossas chances de sobrevivência e reprodução. Nossa preocupação com o sexo, portanto, não poderia ser mais previsível, olhando a coisa por esse ângulo.
Numa espécie em que não só os machos, mas também as fêmeas, encontram prazer no ato sexual, grande é a tentação do comportamento promíscuo. E, sendo os humanos animais dependentes das relações sociais como fator crucial em sua história evolutiva, basta fazer as contas para que compreendamos o que estava por vir: cada indivíduo lutando para sobreviver e reproduzir; o sexo como ato primariamente reprodutivo, mas também prazeroso e recreativo; a necessidade de evitar conflitos dentro do grupo, a fim de não condenar ao fracasso a experiência social tão cara à espécie. Não é preciso ser nenhum gênio para se dar conta de que foi uma consequência óbvia da dinâmica desses interesses conflitantes a emergência de valores e a concepção de códigos morais, religiosos e, finalmente, legais, que regulassem não apenas a conduta social mas também a conduta sexualdas pessoas. Ainda que, como já foi dito, conseguir divisar aí a origem desses fenômenos normativos, em especial dos que induzem a conduta sexual desejada, não os torna mais nem menos justificados em si mesmos.
Observem-se ainda outros dois aspectos dessa disputa ancestral por recursos reprodutivos, que colocou o sexo no centro das atenções. De um lado, a biologia masculina respondendo com a produção de alguns espermatozóides programados não mais para correrem atrás do óvulo a ser fecundado, mas sim para formar barreiras contra a aproximação de outros espermatozóides concorrentes de outro macho com que a fêmea humana pudesse também copular num curto prazo de tempo — não, a natureza não se dá ao luxo de ignorar as inclinações e fraquezas espontâneas dos animais, incluindo os humanos. De outro lado, a psicologia humana produzindo crenças, eficientemente transmitidas de uma mente para outra por meio da faculdade da linguagem, focadas no estabelecimento de limites para o comportamento sexual entre os membros do grupo social — eis como nasceram os tabus, cada qual produzido segundo valores cultivados nessa ou naquela sociedade.
É a partir dessa contemplação em retrospecto de nosso ambiente ancestral que devemos começar a refletir sobre a obsessão com o comportamento sexual das pessoas que acompanhou a humanidade no decurso de toda a sua história. Entendendo como o processo teve início lá atrás, torna-se um pouco mais claro por que o sexo ainda nos perturba tanto, por que nos preocupamos tanto com o que as pessoas fazem na cama, por que condenamos o que fazem (quando não fazem o que classificamos como “normal” em matéria de sexo), embora não resistamos, nós mesmos, aos apelos deste instinto tão primitivo de que não podemos nos ver livres (nem queremos). Primeira constatação: a sexualidade é um fenômeno psicobiológico que é componente daquilo que somos, não daquilo que aprendemos a fingir ser para bem vivermos em sociedade.

Sexualidade: constructo cultural?

A chamada pós-modernidade trouxe dentre seus credos mais estapafúrdios (vendidos como as ideias mais genuínas e originais do universo) a crença de que nossos cérebros não passam de máquinas de autoilusão. A realidade, como no-la dão a conhecer nossos circuitos neurais, não existiria fora de nós mesmos; o mundo de que estamos cônscios não passaria de uma ilusão sensorial. Todavia, embora nossos cérebros realmente não sejam perfeitostradutores da realidade exterior a nós, tampouco seriam o único órgão de nosso corpo a evoluir na contramão da evolução, dando-nos uma leitura do ambiente à nossa volta que não o reproduzisse da melhor maneira possível. Só quem não entende coisa alguma de como funciona a seleção natural acharia viável a evolução de um órgão nessa direção, tão contrária a nossos interesses biológicos.
Mas, enfim… Essa bobagem convenceu muita gente. Muita gente inteligente, diga-se de passagem. Então, no meio do frenesi produzido por essas contagiantes “teorias” new age, surgiu a moda do negacionismo dos valores (tudo o que é convencional deveria ser contestado) e também daquilo que, por ser objeto de juízos de valores, passou a ser confundido com os próprios valores pelos quais era julgado. Assim, como o sexo ocupava posição de destaque entre os fatos objetivos de nossa existência biológica que se tornaram alvos de nossos juízos de valor subjetivos, nosso comportamento sexual e nossas próprias inclinações sexuais passaram a ser contestados, confundidos com os próprios valores morais com que foram revestidos socioculturalmente. A sexualidade, muitos concluíram, seria só uma ilusão; um comportamento e uma preferência induzidos sob valores vigentes em nossa cultura, aos quais fomos submetidos, e dos quais nossas mentes poderiam se libertar tranquilamente, quando e como escolhessem.
Muito bem! Para podermos refletir melhor sobre a natureza da sexualidade humana que essas ideias pós-modernas insistem em negar, precisamos divagar um tiquinho, para fazer um breve comentário sobre moscas. Isso mesmo! Moscas. Fato um tanto curioso, a verdade é que, dentre as criaturas mais sexualmente eficientes do planeta, destacam-se notavelmente as moscas-das-frutas, sobretudo por sua capacidade de gerar uma nova prole a cada duas semanas.
E no que isso nos interessa aqui? Bem, o fato é que foi justamente num grupo dessas moscas que alguns cientistas, durante um experimento laboratorial, realizaram o transplante de um gene que causa, dentre seus efeitos em larga escala, a mutação da cor de seus olhos — em vez dos olhos vermelhos, normais nessa espécie, as moscas geneticamente modificadas apresentavam olhos brancos. Entretanto, foi uma verdadeira surpresa para esses cientistas descobrir que as moscas machos do grupo mutante eram diferentes das outras não apenas na cor de seus olhos: elas também revelaram-se, todas, homossexuais. Ou, para ser mais preciso, tornaram-se bissexuais com predominância da orientação homossexual; isto é, na presença de machos e fêmeas, os machos de olhos brancos preferiam sempre copular com outros machos; porém, se uma dessas mesmas moscas fosse mantida cercada apenas por fêmeas, ela copulava com estas e as fertilizava, sem muito hesitar.
Ora, é claro que o experimento supracitado, ainda que fascinante, não responde às questões referentes à homossexualidade humana. Na verdade, nem mesmo esclarece toda a questão em torno das moscas-das-frutas, já que o transplante genético só produziu tal efeito sobre as moscas machos — nenhuma mosquinha fêmea de gene alterado exibiu um comportamento “lésbico”. Mas uma coisa o experimento confirma: há sim um componente genético na orientação sexual dos animais. Não foi a cultura que causou tal efeito naquelas moscas. Muito menos foi alguma impropabilíssima coincidência de resultados.
A propósito, quando aparecem padres, pastores e outros moralistas de plantão dizendo que a homossexualidade é uma perversão do caráter humano, fico pensando no quão primitiva é esse tipo de postura ignorante. Tamanha falta de conhecimento em pleno terceiro milênio é algo que me assusta. Afinal, desde a Antiguidade, tanto aqueles que condenavam o “homossexualismo” (mais um termo equivocado para uma orientação natural) quanto os que o defendiam e o assumiam publicamente mantinham o senso comum de que os animais só apresentavam comportamento heterossexual. Estavam enganados, muito enganados. Mas é o que pensavam.
É fato que, desde aqueles tempos até os dias de hoje, ainda se veem os que criticam a homossexualidade ou a bissexualidade humanas, aludindo ao suposto exemplo invariavelmente heterossexual dos animais na natureza — a evidência de que Deus teria feito os machos para copularem com fêmeas e vice-versa. Mesmo os antigos gregos, embora aceitassem e valorizassem o comportamento homossexual em sua sociedade, como sendo a forma ideal de relacionamento, costumavam usar esse argumento da aparente heterossexualidade exclusiva dos animais para justificar, orgulhosos, que a atividade homossexual era fruto do desenvolvimento do potencial racional. Os homens, superiores aos bichos em sua irracionalidade inerente, teriam nas relações homossexuais uma prática sublime para a obtenção do prazer, descoberta por sua iluminada razão. (É curioso que, vez e outra, também deparamos, em nossos tempos, com esse argumento da “opção” racional, em vez de orientação natural, defendida entre alguns militantes GLBT, com aquele orgulho insipiente dos antigos gregos.)
O que nenhum dos lados tinha ainda observado, no entanto, era que estavam todos muito, muito equivocados em suas opiniões acerca do comportamento sexual dos animais em geral. Pois, para início de conversa, dentre aqueles mais próximos de nós — os primatas —, dos gorilas e chimpanzés aos macaquinhos mais distintos dos humanos, registros de relacionamentos homossexuais macho-com-macho e fêmea-com-fêmea têm sido feitos aos montes, por cientistas que os estudam em seu hábitat ou mesmo em cativeiro. Por exemplo, num estudo com macacos carecas (Macaca arctoides) mantidos em cativeiro, foram observados 143 relações de caráter sexual. Destas, 23 foram relação entre fêmeas, geralmente resultando em orgasmo. Em diversos outros estudos, já se constataram comportamentos homossexuais o mais diversos possível. Num deles, registraram-se macho sendo montado por outro (tanto em macacos da espécie Macaca nemestrina, quanto em babuínos, orangotangos, chimpanzés e bonobos), monta com penetração anal (em macacos das espécies Macaca arctoidesSaimiri sciureus) e monta com penetração anal levando à ejaculação (macacos japoneses, macacos rhesus e gorilas), masturbação mútua (na espécie Macaca arctoides), podendo chegar à ejaculação (em gibões), contatos genital-com-genital (entre bonobos) e felação (na espécie Macaca arctoides), cheirar ou inspecionar as regiões anal ou genital de outros machos (Macaca arctoides), exibir o pênis ereto para outros machos (Cercopithecus aethiops) e preferência de machos por copular com parceiros do mesmo sexo, em vez de com fêmeas (em macacos rhesus) (WERNER, D. “Sobre a evolução e variação cultural na homossexualidade masculina”. In: PEDRO, Joana Maria; GROSSI, Miriam Pillar [Org.], Masculino, feminino, plural: gênero na interdisciplinaridade. Florianópolis: Mulheres, 1998.)
E não pensem que observações de atos sexuais semelhantes só se verificaram entre primatas. Na verdade, já foram observados nos mais variados mamíferos, pássaros, répteis, peixes e insetos. Um caso curioso, aliás, ainda que seja apenas um análogo de ato homossexual, envolve vermes marinhos da espécie Moniliformis dubius. Estes costumam usar o coito homossexual como uma “arma” na briga pela fecundação de fêmeas. Como? Bem, o fato é que se observa entre essas pequenas criaturas algo como um “estupro” homossexual, em que um macho copula à força com outro, fertilizando a abertura do aparelho genital deste. Desse modo, o esperma do macho “estuprador” acaba bloqueando a abertura genital do macho forçado ao coito, o que o torna incapaz de fertilizar qualquer fêmea. É claro que, neste caso, como já alertado, não temos senão um comportamento pseudo-homossexual, uma vez que a cópula não resultou de mútua atração entre os machos. Não obstante, visto que esta intrigante estratégia de eliminação de concorrentes repete-se em várias espécies, o dado chama a atenção, ao menos, para avaliações acrescentáveis às perspectivas evolutivas. Tais exemplos, dentre muitos outros, apontam, de forma gritante, para um componente natural, presente no nível dos genes, que, ao menos em parte, atua sobre a orientação sexual dos animais, incluindo os humanos.
Neste sentido, pesquisas que se focaram no DNA do cromossomo X de 40 pares de irmãos homossexuais descobriram algo um tanto interessante. 37 destes pares de irmãos tinham coerdado marcadores genéticos na mesmíssima região cromossômica, identificada como Xq28, o que sugere que 65% das famílias estudadas estavam transmitindo um gene ou genes dessa área do cromossomo, que poderiam estar influenciando a orientação sexual. Estudos feitos com famílias de mulheres homossexuais obtiveram indícios de algo semelhante. No entanto, até o momento, não foi possível identificar exatamente o gene (ou genes) a que se deve a homossexualidade masculina ou feminina nas pessoas — afinal, ainda estamos engatinhando no conhecimento de todos os segredos do genoma humano. Além disso, o fato de 7 dos 40 pares de irmãos homossexuais estudados não terem apresentado aqueles marcadores genéticos na referida área do cromossomo X indica que ainda há mais fatores a serem considerados nessa história.
Duas coisas, no entanto, parecem bem claras: 1) há algum traço distintivo no cromossomo X de um grande número de homens homossexuais (cromossomos que o homem herda da mãe e não transmite a seus filhos varões) que atua, em algum grau, na definição da orientação homossexual em homens; 2) outros fatores não relacionados a cromossomos sexuais exercem, ao que tudo indica, algum outro papel, tal como o exercem, aliás, mesmo sobre a própria heterossexualidade.
Em suma: ainda que não se saiba com detalhes, ao menos por enquanto, os fatores envolvidos no desenvolvimento da homossexualidade, bissexualidade ou transexualidade, não há discussão quanto à primeira questão apresentada. A abundância de exemplos de relações homossexuais e bissexuais observadas dentre as mais diversas espécies da fauna terrestre, somada aos indícios já encontrados de que há algum componente genético na definição da orientação homossexual ou bissexual, provavelmente ligado à árvore genealógica materna, não deixa espaço para dúvida: a sexualidade humana, em qualquer de suas orientações, é natural. Não é uma opção racional nem uma perversão do caráter humano. De fato, se o homem for obra de algum criador inteligente, como muitos creem — algo de que tenho meus motivos para duvidar —, então as “bichas”, os “sapatões”, os “giletes” e os “travecos” — como costumam ser ofensivamente rotulados — são todos parte dos desígnios desse criador.
Em todo caso, há ainda mais coisas a destacar quanto ao mito da sexualidade (tenha ela que orientação tiver) como mero constructo sociocultural. Aqueles que cultuam essa crença não evidencialmente corroborada afirmam com veemência que “não existe sexualidade inata; toda orientação sexual é produzida pela cultura”. Pelo visto, ignoram que seria possível um experimento-mor para pôr um fim nessa discussão disparatada, qual seja: pegar um bebê recém-nascido, fazer-lhe uma cirurgia de mudança de sexo, criá-lo como se fosse realmente do sexo adotado sem nunca dizer-lhe a verdade, e, então, ver o que acontece. Pois bem… O experimento foi feito.
Não, não! Não foi um bando de cientistas “loucos” (como os estereotipados em filmes pouco criativos) que resolveu fazer uma coisa assim, por pura curiosidade científica, como alguns poderiam concluir apressadamente. O fato foi que 25 meninos que haviam nascido sem pênis (em virtude de um defeito congênito), passaram por uma cirurgia desse tipo décadas atrás, e seus pais os criaram como meninas, sem nunca lhes contar a verdade. Resultado (triste para os que defendem o mito da sexualidade não natural): todas essas crianças apresentaram padrões masculinos de brincadeiras turbulentas, bem como atitudes e interesses que são típicos de meninos, desde a mais tenra idade, apesar de os pais insistirem em lhes tratar como meninas e lhes dar bonecas, e coisa e tal. Mais da metade começou a falar que era menino por contra própria, apesar de toda a influência externa em contrário. Um deles, aliás, declarou que era menino já aos 5 anos de idade. (PINKER, S. Tábula rasa: a negação contemporânea da natureza humana. Companhia das Letras, 2004.)
Isso, para não mencionar o caso de um menino canadense (também citado por Pinker) que, aos 8 meses, por imperícia médica numa circuncisão, teve parte do pênis amputado. O famoso sexólogo da Universidade Johns Hopkins, John William Money, aconselhou a família do menino a deixar que os médicos castrassem o bebê e lhe implantassem uma vagina artificial, e que o criassem como menina. Nas palavras do sexólogo: “A natureza é uma estratégia política dos que se empenham em manter o status quo das diferenças entre os sexos”. A cirurgia foi feita, e o bebê Bruce deu lugar a Brenda, uma bela e mui amada garotinha.
Seus pais, felizes e otimistas, convencidos (ou melhor iludidos) pelo renomado sexólogo, deram bonecas à criança, vestidinhos, deixaram seus cabelos crescerem e tudo mais. Porém, já aos 7 anos, Brenda começou a insistir em que queria ter bigode e em que só gostava de brincar com carrinhos, além de demonstrar um grande interesse por armas e ficar repetindo que queria entrar para os escoteiros (que só aceitavam… meninos). Outro fato curioso, Brenda insistia em ficar de pé quando urinava. Os pais fizeram de tudo para convencer “a filha” de que homens e mulheres eram fisicamente diferentes, e de que “ela” era uma mulher. Mas Brenda não aceitava. Forçada a tomar pílulas de estrogênio (hormônio feminino), desenvolveram-se-lhe os seios, na fase da puberdade, ao que “a menina” reagiu comendo para engordar e escondê-los em meio à gordura do corpo.
Esse pesadelo criado pela crença na tábula rasa e pela negação da natureza humana durou até os seu 14 anos, quando “ela” afirmou que se mataria se não pudesse viver como um homem. Foi só então que lhe contaram a verdade. Depois disso, Brenda fez uma série de cirurgias, recuperou os traços físicos masculinos, conheceu uma mulher, casou-se e hoje Bruce está finalmente feliz em sua vida como o homem que sempre havia sentido ser, apesar de toda influência externa em contrário.

O respeito pelo que é fato

Uma lição que as ciências que estudam a natureza humana estão nos ensinando, e que histórias como as relatadas acima confirmam, no tocante à homossexualidade, por sua vez, é que não há motivo, a não ser o preconceito irracional, para que não seja permitido a casais homossexuais adotar filhos. Os conservadores puritanos surgem de todos os lados, dizendo que isso é um absurdo, que o comportamento de pais gays ou mães lésbicas influenciaria a orientação sexual dos filhos que criassem. As histórias acima deixam bem claro que não é bem assim, não é o que as evidências demonstram.
Religiosos moralistas, em virtude de seu literalismo bíblico, há muito insistem em dizer que a homossexualidade é construída pelo ambiente, que é má influência ou uma escolha consciente de depravados. Então, vêm os intelectuais, filósofos e cientistas sociais, que se dizem libertários, e, com seu ingênuo e ignorante discurso pós-moderno, fornecem ainda mais munição (cientificamente infundada) para que reacionários impeçam que pessoas de bem possam se casar civilmente ou adotar uma criança. Parceiros que querem ter filhos e, além do sincero afeto que querem devotar a estes, têm condições materiais de lhes dar conforto e uma boa educação, são impedidos de adotar crianças apenas porque têm uma orientação sexual diferente da que é tida, pelos fundamentalistas, como “moralmente adequada” ou “a única determinada por Deus”, ao passo que, para os intelectuais e acadêmicos defensores da sexualidade opcional, sua orientação seria a escolha de um espírito livre, sem nenhum peso dos genes desses indivíduos — o que, além de desmentido pelas evidências, só ajuda a argumentação preconceituosa de religiosos como o Pr. Silas Malafaia, que já apareceu em seu programa televisivo utilizando exatamente esse argumento da livre escolha para poder condenar a conduta homossexual. Vejam como ele concluiu um de seus vários ataques aos homossexuais:
A ciência e a teologia concordam que Deus fez macho e fêmea e não uma sociedade de andróginos e bissexuais. Não existem cromossomas homossexuais; portanto, essa tese é furada! (…) Qualquer pessoa que se oponha a prática da homossexualidade é rotulada de ignorante. As centrais de jornalismo e as novelas estão empestadas de homossexuais. Eles são bem organizados, e qualquer um que levante interesses contrários da comunidade homossexual é bombardeado. (…) A homossexualidade é uma rebelião consciente contra a criação, uma distorção da imagem de Deus. (…) Se um cheirador de cocaína pode deixar as drogas, um homossexual pode deixar a homossexualidade. (Programa do dia 04/08/2007, transmitido pela Band.)
Quando ele diz que “a teologia e a ciência concordam”, está se referindo a esses sociólogos, sexólogos etc., que negam a existência de uma orientação sexual natural. É exatamente o tipo de “teoria” de que precisa um conservador intolerante como Malafaia. Contudo, negar a natureza humana, negar que somos produto de uma interação entre nossa constituição genética e fatores ambientais (e não determinados unicamente por fatores externos, moldados pela cultura como se fôssemos massinhas de modelar), não é apenas ridículo e imaturo, é cientificamente equivocado! É como fechar os olhos diante de uma cena forte num filme, para não ver nada, embora a cena vá estar lá, de qualquer jeito.
Os fatos, aqueles que muitos não querem enxergar por puro apego a um pensamento equivocado ou por uma visão religiosa tacanha, são entretanto corroborantes de que a sexualidade humana — esse vetusto objeto de nossas instintivas obsessões —, tenha a orientação for, é sempre uma manifestação de nossa natureza; não é a escolha de um estilo de vida, como resolver seremohippie ou yuppie. Essa nossa constante preocupação com a sexualidade apenas nos informa o quanto o sexo constitui uma dimensão essencial de nossa existência. Por isso mesmo, deveríamos lutar para que todos pudessem vivenciá-lo da forma como consigam se realizar. Nesse sentido, condenar uma orientação sexual porque esta não condiz com sua moral religiosa revela apenas sua mentalidade intolerante — afinal, suas crenças devem servir apenas para pautar sua própria vida e conduta, não as dos outros. Por outro lado, inventar mitos estapafúrdios, como dizer que a sexualidade humana é uma invenção cultural, além de ser uma afirmação de extrema ignorância do que vários estudos científicos têm demonstrado, só ajudam os intolerantes a se sentirem ainda mais no direito (que não têm) de condenar o que é do foro íntimo de outrem

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